16.6.13

Pequi Stop



Minha carne mal-passada,
era curto o tempo de chapa.
Minhas pernas roliças,
ladeira pra baixo e pra cima.
Meus olhos amarelados,
visões maturadas em carvalho.
Meu amor distante,
quando o perto é rompante.

Se é trilha sem roteiro,
ao passado serve uma granada
e ao futuro basta uma mochila.
Sem iphone, agenda ou mapa.
Pois aplicativo não é terço
e realmente só o tato se aplica.

Farei uma parada obrigatória
na sombra desse pequizeiro.
Arejar um pouco a memória
e colher dois sonhos herdeiros.


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4.10.12

Sacode dentro de mim
e sobe na boca do estômago
essa coisa imprevisível,
ininterrupta.

Esse balanço frouxo,
que desconcerta.
Uma intenção original
só vacila
quando mal dormida ou desperta.

Quando a gente se esconde
pode ser que se ache
no meio dessa coisa doida,
entre uma e outra escolha,
um sentido que envolva ou encaixe.

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17.6.11

Ocorreu, naquela tarde, que só poderia mesmo ter o nome de Manoel, pois antes do pai, toda linhagem paterna padecia da graça capaz de ser convertida em apelido tão doloroso. Parentes de toda natureza diziam que com ele, o último dos Manoéis, a alcunha fazia par perfeito, dada a pouca inteligência do rapaz. No sertão, a descendência portuguesa tinha sentido quase nenhum, mas os óculos lusitanos do tio-avô, homem que Manezim imaginava portando um robusto bigode castanho, reluziam na estante da sala como um santo. Não por acaso, os óculos tinham como vizinho um tríptico da Madona com o Menino Jesus, Santa Luzia e Santa Catarina, as três imagens envolvidas numa moldura menos nobre do que o dourado dos aros e da madrepérola das hastes. Manezim passava as horas mais quentes do dia, a sesta depois do almoço, deitado na rede do alpendre. A porta entreaberta deixava-o espiar o andor das lunetas de além-mar enquanto um vapor morno ia embalando seu sono de passarinho.

Desde menino, aqueles óculos posavam na estante e a única vez que ousou chegar perto levou um castigo de dias, tempo em que percebeu, folheando a bíblia dos Gideões na escrivaninha do irmão mais velho, que as letras lhe causavam vertigem. Criança quieta demais, foi tomado pelos pais como bobo e custou cinco anos para que estreasse a fala com a palavra 'mingau'. Há muito não se importava com o refrão dos primos 'Mané vai comer pasté', repetido por horas com a típica entonação de desprezo, o 'é' longuíssimo ao final. Manezim convenceu-se logo cedo que não era bem burro, é que não carecia conversar se não lhe perguntavam e a leitura não lhe caía bem porque as palavras voavam no papel por mais que tentasse agarrar uma ou outra. No quadro negro – aquilo era uma tortura –, se letra no papel já mexia, as de giz pareciam um traço de nuvem, era coisa difícil mesmo para ele desvendar os códigos tão bem desenhados pela professora Dona Deusa, uma senhorinha que já tantas vezes alertara aos pais do garoto sobre as questões de aprendizado e os aconselhou que o menino visitasse um doutor das vistas.

E um dia emendou no outro, Manezim cresceu assim, dado como mouco, sabendo ele mesmo que era entendido de coisas de roça e rês, antes de ciência de peteca e de cheiros de flores. Toda tarde de descanso no alpendre, ao fitar os óculos de Portugal – e ele os distinguia bem, apesar da distância –, meditava com o vai-e-vem da rede, imaginando a vida se tivesse outro nome, se como José ou João os outros não teriam lhe ralhado tanto. Era o mais novo da casa e assim só lhe cabia ser Manezim, ainda uma patente abaixo de Seu Manoel pai ou tio-avô dono das lunetas, aquele bem nascido em Portugal. O pêndulo vespertino vez em quando debandava em sonho, ele em um navio de Cabral pela rota inversa: o desenho das caravelas, sua cabeça roubou dos livros da escola, a sensação do velejo foi aprimorada pela náusea real de seu estômago fraco e o mar era só um rio imenso que balançava. A viagem atlântica não tinha chegada nem partida, só um pedaço de história, um horizonte inteiro e meia dúzia de homens com chapéus militares fora de época. Ali Manezim era grande, talvez capitão dos marinheiros, em busca das terras ibéricas como índias fossem, um mapa debaixo do braço e na cara os óculos do tio-avô, as lentes como duas bússolas indicando o norte, desvelando as formas dos continentes, as letras dos nomes e o contorno áureo refletindo um sol de abril.

Para Miguilim.

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14.3.11

true blood

acordei com sede de violência
olhos vermelhos de sangue
acordei em meio a demência
e assim o dia segue adiante

não me venha com soja
hoje quero bife mal-passado
leve teus chazinhos embora
quero nada menos que opiácios

não cruze o meu caminho
alguém vai se machucar
acordei cheia de espinho
e nenhuma rosa pra cheirar

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11.1.11

um coco ou espora pra comer

MACAUBA não se masca assim todo dia
atrás-do-armário-embaixo-da-pia:
coisa bruta, veia profunda, sangue na nuca
todas as rimas todas as grutas e as mesquitas
ABERTAS.
MESCALINA às vezes machuca às vezes chupa...
quando não frita enquanto enruga:
tapete de verruga, véu de armadura
todas as estrias as caricaturas as posturas
FECHADAS

passado, pelas 20:53 0 comentários

18.12.10

Macaúba e Mescalina

Se veio querendo conto
Não serei eu a dizer
Pois nem saberia como

Se veio querendo rima
Eu mal poderei dizer
Metade do que gostaria

Se veio querendo humor
O que deverei dizer
É no mínimo constrangedor

passado, pelas 10:43 1 comentários

3.12.10

ela, eu e as horas

acordamos
ou, ao menos,
abrimos os olhos aos poucos

você tenta reconhecer o que há ao seu redor
nem sempre consegue foco e a luz aparece pálida na retina
seu espelho é o primeiro chamado - mãe
ao seu lado, me envolvo na coberta
respondo como se sua mãe fosse
respiro os últimos segundos do sono
desejava que pudéssemos sonhar mais tempo
juntas

cambaleio
e vou decifrar seus matinais
na falta de dicionário para essa nova língua
recolho as imagens incertas na cama
muitas vezes, estão demasiado incertas
despertando sua compaixão
por minha tanta insciência
- é que hoje, eu sei, não é ontem
mas será certamente amanhã

preparo o desjejum
e as linhas do seu rosto esboçam um sorriso
consigo ver a boca alegre que você carregava
e aquelas narinas muito atentas
das quais herdei um senso incomum para odores
e ficamos ali, devorando o tempo
até que ele se cansa de nós
e você pede que voltemos
para o refúgio dos dias
lá onde você descansa
do mundo pesado que leva sob os pés

é quando me perco
entre os cômodos do casaréu
um talher, um copo, um colchão
dois maracujás novos
e um bocado de açúcar
outra vez bato à porta da sua vigília
sem perceber que se divertia
conversando com tantas pessoas
ou imersa
no rio onírico tão real
esses minutos em que mergulha
outra vez em si

é que preciso que beba algo
coma isso, vire para cá
olhe para mim, não fale assim
eu não sei tirar tantas pedras daqui
a mesa nos espera
e nos espera agora
quem saberá que horas são?
o dia passou inteiro?
a tarde se esvai ou o sol se esquece de desaparecer?
tanto faz
seu tempo é diverso de qualquer outro
é o de quando éramos as suas pequeninas
na barriga ou pelo corredor
e de tanto ouvi-la perguntar pelas crianças
acabo por me sentir uma
a que custou aprender
que o carinho, ele invertido,
não preserva o nome
mas se veste de um sentido
o da a ventura de ter tido
sem saber
o único abrigo do mundo.

passado, pelas 23:15 2 comentários

1.12.10

half dreaming

um poema que não pode ser sobre amor
está escrito em algum lugar
aquele que nada diz
senão sobre o que flutua
que se perde no anseio
e mergulha no tempo
por mero querer saber

esse poema seria
talvez sobre o esquecimento
muito mais o de si
do que o dos gestos
daquilo que ousam chamar de história
por isso não o nomeiam épico
e a ele devotam nenhum palanque
no alto de suas verves prosaicas

eu, decerto, jamais o li
e quem ouvi recitar
um ou dois dos seus versos
tampouco o sabia completo
guardei, contudo, a sensação das frases
o som de algumas palavras
e pude imaginar outras
lembrando, sempre
que não se irradiavam
de paixão que fosse
e, sim, de um estado mais cru
de um ímpeto terno
e fatal
um estado de cura anterior
o que arranca o coração do corpo

não como quem se torna ileso da perda
apenas para devolver-lhe a pureza.

passado, pelas 19:33 2 comentários

29.5.10

O diamante versus a porcelana


Sinto muito ser eu a lhe dizer:

O que talha o ser diamante

Não está no seu duro entender

Fuligem é o estado da mente

Jamais carvão.


Fluidez eu tenho a lhe oferecer:

O eco que faz ilha o instante

São asas quando existe o querer

Barragem se o verbo é implante

Não mais ação.


Palavra é só o que respinga

A água que inunda a boca

contém a saliva

A boca que modela o beijo

também é língua

A roda que move o desejo

não é cíclica.


Nem só porcelana é que racha

É faxina que não cessa em vida

Juntar meteoritos de confiança.


Nem só a vista é que flagra

É posologia que não termina

Juntar indícios de ignorância.

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5.5.10

retrós (ou oroborossamba nº 2)


comecei bordar com mesclado
porque queria graduada
a cor da minha pele.

um autorretrato malfeito
porque nunca costuro direito.

preparei bastidor e entretela,
esmero, requinte, cautela:

quando cheguei no olho,
não consegui dar brilho nem foco
e fiz um louco moribundo.

aí parei:

um desafio vencido
sem nunca ter sido.

não me penitencio - pelo olhar tão vago -
noites a fio,
apenas embargo a obra.

faço e desfaço esse ponto
cruzado mil vezes e tantas.

(meu retrós e sorte ruem).

como não vejo saída,
cesso.
retrós recebe de volta linha
e a agulha faz seu inverso.

e o processo, de novo ideia-galinha,
não emaranha:
me anovela um ovo de meada.

passado, pelas 23:17 0 comentários

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